Litotripsia Extracorpórea por ondas de choque: O que é e como é feita?

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Dando continuidade a sequência de textos sobre o tratamento da litíase urinária, vamos discorrer hoje sobre a LECO. A litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LECO) revolucionou desde a década de 80 a terapêutica da calculose urinária, transformando-se rapidamente na maior inovação tecnológica para o tratamento desta doença na época. No início, o seu uso foi limitado ao tratamento de cálculos renais; no entanto, os avanços na tecnologia destes equipamentos permitiram a aplicação desta modalidade não invasiva também em cálculos do ureter (canal que liga o rim à bexiga).

Não deve ter restrições ou limitações impostas por outros que não os médicos responsáveis pelo tratamento, observados os limites de segurança de cada equipamento, e as características individuais dos pacientes e dos cálculos a serem tratados, sendo de total responsabilidade dos mesmos a indicação, o tratamento, e o seguimento após litotripsia, dando a devida assistência em casos de complicações.

Pode ser considerada como uma escolha no tratamento de cálculos do aparelho urinário, atentando-se ao resultado da interação entre os seguintes fatores: composição química do cálculo x tamanho x localização vs número de ondas x intensidade x número de reaplicações necessárias para a total eliminação dos fragmentos. Cabe ao médico assistente e ao médico operador do equipamento, a responsabilidade de determinar frente a cada caso, o número e a intensidade das ondas de choque a serem aplicadas.

Nos cálculos renais, a LECO pode ser a primeira escolha de tratamento, desde que sejam observados os parâmetros a seguir:

DIMENSÃO DO CÁLCULO:

Quanto maior o cálculo, menor a possibilidade de sucesso, independentemente do número e intensidade das ondas de choque. Há, ainda, uma maior probabilidade da necessidade de procedimentos complementares e uma maior taxa de complicações pós-aplicação. Considerando-se apenas o tamanho dos cálculos renais, as melhores taxas de sucesso são obtidas quando suas medidas são menores que 10 mm ou segundo outros autores até 20 mm.

COMPOSIÇÃO QUÍMICA:

Cálculos Radiopacos – compostos por oxalato de cálcio dihidratado, ou estruvita, ou fosfato amoníaco magnesiano, são mais favoráveis à fragmentação, enquanto aqueles compostos por oxalato de cálcio monohidratado são mais resistentes.  Os cálculos de cistina apresentam os menores índices de fragmentação.

Cálculos Radiotransparentes – geralmente compostos por ácido úrico, fragmentam-se com relativa facilidade pelas ondas de choque. Quando se associa à alcalinização urinária, obtêm-se um melhor índice livre de cálculo.

O aspecto radiográfico do cálculo é importante indicador da fragilidade e, conseqüentemente, prediz o sucesso do tratamento. Cálculos mais densos que o osso, lisos, redondos e homogêneos são mais difíceis de se fragmentar, e quando o fazem, resultam em fragmentos maiores. Por outro lado, cálculos menos densos, espiculados, heterogêneos, com formas geométricas variadas, fragmentam-se mais facilmente, e em fragmentos menores e mais propensos a serem eliminados.

LOCALIZAÇÃO:

Cálculos Piélicos (parte mais central do rim) – quando móveis dentro da pelve renal, têm resultado de fragmentação melhor do que quando impactados na junção uretero-piélica, assim como em pelves pequenas e intra-renais. A possibilidade de expansão dos fragmentos favorece a fragmentação do cálculo.

Cálculos Renais Calicinais (porção mais periférica do rim) – têm em sua localização um importante fator de predição de resultados. Vários trabalhos assinalam a dificuldade de eliminação dos fragmentos dos cálculos localizados nos cálices inferiores por ação gravitacional ou pelo ângulo anatômico infundíbulo-calicinal (desfavorável quando menor que 90 graus e associado a um infundíbulo longo e estreito – tudo isso é avaliado pelo urologista no momento da indicação da melhor forma de tratamento).

Cálculos em Cálices Inferiores – em paricular tem sido objeto de muitas discussões quanto a melhor abordagem: LECO, nefrolitotripsia percutânea ou abordagem retrógrada transureteroscópica com aparelhos flexíveis e uso do LASER, sendo que está última tem se firmado como melhor opção

Estudos demonstraram que, quando o cálculo é menor que 10 mm, a taxa média de sucesso com LECO pode alcançar 74% de bons resultados; entre 11 e 20 mm, alcança 56%; e maior que 20 mm, apenas 32%.

O tamanho e a dureza do cálculo são os maiores fatores indicativos de sucesso da LECO. Cálculos menores que 20 mm, baixa opacidade radiológica, espiculados, são os que mais se fragmentam, embora necessitem de um maior número de reaplicações. Levando-se em conta a morbidade, tempo de hospitalização, convalescença e custos, a LECO pode ser considerada como a primeira escolha de tratamento. Outras modalidades devem ser consideradas para cálculos que não preencham as características mencionadas.

A LECO pode ser aplicada, em casos de litíase renal bilateral, simultaneamente ou em intervalos de tempo. Não foi encontrada alteração na função renal em ambos os grupos. Cálculos bilaterais maiores devem ser tratados sucessivamente. O intervalo entre reaplicações deve ser estipulado pelo médico assistente e depende do cálculo a ser fragmentado. Prefere-se em duas a quatro semanas, dando condições para a eliminação dos fragmentos. Da mesma forma, são tratados cálculos múltiplos em uma mesma unidade renal.

Há poucos trabalhos que determinam o número máximo de reaplicações da LECO por cálculo. As ondas de choque determinam pela sua ação danos transitórios ao parênquima renal, medidos por enzimas urinárias, alteração do fluxo vascular intrarenal, que podem ser avaliados por ressonância magnética. Os danos a longo prazo não parecem comprometer a unidade renal tratada e tampouco a saúde do paciente. A melhor indicação da LECO é aquela em que se necessita do menor número de reaplicações. Especial atenção deve ser dispensada nos tratamentos em crianças e idosos. Nos pacientes pediátricos, existe a possibilidade de serem atingidos outros órgãos vizinhos, além dos rins serem frágeis nesta faixa etária à passagem das ondas de choque. Os pacientes idosos podem apresentar um aumento da resistência vascular após o tratamento, sugerindo a ocorrência de fibrose perivascular e intersticial, que podem levar a um quadro de hipertensão arterial sistêmica.

FRAGMENTOS RESIDUAIS

A presença de fragmentos residuais é possibilidade relativamente frequente pós-LECO. Considera-se como fragmento insignificante cálculos menores que 5 mm. O melhor exame para controle do resultado da LECO é a tomografia computadorizada, seguida pela ultrassonografia, e por último, radiografia simples do abdome. O primeiro controle de imagem pós-LECO pode ser solicitado entre duas semanas e três meses da aplicação, dando tempo para a eliminação dos fragmentos. O período de três meses após o tratamento pode ser estabelecido como padrão para definir rins sem cálculos ou com fragmentos residuais.

Pacientes com fragmentos residuais de cálculos infectados têm alta taxa (78%) de recrescimento dos cálculos. Fragmentos menores de 4 mm, não infectados, assintomáticos, não requerem tratamento adicional, porém podem funcionar como matriz de calcificação e voltar a crescer a longo prazo. Dessa forma, fragmentos residuais elevam o risco de recorrência de novos cálculos ou o crescimento destes. O diagnóstico das alterações metabólicas na litogênese e seu tratamento reduzem este risco.

Recorrências litiásicas são freqüentes na presença de fragmentos residuais ou por alterações metabólicas não tratadas. Chega a 50% dos pacientes tratados por LECO, num período de 7 anos e a 70%, em 9 anos. No sexo masculino, é mais freqüente, e em pacientes portadores de cálculos múltiplos.

As reaplicações da LECO podem ser indicadas desde que obtenham-se fragmentos menores que 3 mm e continuadas se a cada sessão forem eliminados 30% do volume do cálculo inicial. Leva-se em consideração o acúmulo de traumatismos causados pelas ondas de choque, bem como a análise da relação custo-benefício na escolha deste método de tratamento. Em caso de não fragmentação, a LECO pode ser repetida por uma vez.

CONTRA-INDICAÇÕES DA LECO NA LITÍASE DO APARELHO URINÁRIO

São consideradas contra-indicações à aplicação da LECO, a presença de infecção do trato urinário clinicamente ativa, com quadro febril, devendo-se identificar a bactéria e instituir tratamento antimicrobiano específico antes da aplicação. Quando existe a possibilidade de coexistir infecção do trato urinário (cultura positiva) sem sinais clínicos, como febre e prostração, deve-se administrar, 24 horas antes da LECO, uma medicação antibiótica que deverá ser mantida pelo prazo estipulado pelo médico assistente.

Pacientes portadores de litíase urinária com urina estéril, e sem infecção do trato urinário prévia, não necessitam de antibiótico profilático quando submetidos a LECO. Aqueles com infecção do trato urinário prévia recente ou cálculo de estruvita (que é associado à presença de bactéria na urina) devem receber antibiótico profilático. Pacientes com urina estéril, onde é inserido um cateter duplo J, passado antes da LECO, apresentam risco de infecção do trato urinário em 4,8%, sendo que quando os cálculos são compostos de estruvita, o risco de desenvolverem uma infecção do trato urinário pós-LECO é de 11% a 18%, ficando então a critério médico o uso de antibiótico durante a aplicação e no período que abrange a eliminação dos fragmentos.

Alteração na coagulação sangüínea, pacientes em uso de anticoagulantes e os hipertensos devem ter estas condições corrigidas antes da aplicação da LECO, para evitar hemorragias importantes e formação de hematomas perirrenais. Portadores de arritmia e marca-passos cardíacos podem apresentar alterações cardiológicas durante o tratamento. Estas situações não são contraindicações absolutas, mas necessitam monitorização e recomenda-se aplicar ondas de choque sincrônicas com o ECG. A presença simultânea de um fator obstrutivo da unidade renal a ser tratada deverá ser considerada uma contraindicação. Em pacientes grávidas, a LECO está contraindicada, devendo-se postergar o tratamento até o final da gestação.

COMPLICAÇÕES

Todo paciente deverá assinar um termo de consentimento informado, antes de se submeter a LECO. A complicação mais freqüente é a obstrução ureteral por fragmentos, podendo se manifestar por cólicas renais, pielonefrites (infecção do rim) ou hidronefrose (dilatação renal). O tratamento desta situação, de início é clínico, por vezes necessitando internação, observação, hidratação, antibióticos, antiespasmódicos e antiinflamatórios. De acordo com a evolução, pode ser necessária a desobstrução ureteral por meio da passagem de cateter ureteral duplo J ou procedimentos transureterais endourológicos. A nefrostomia por punção (colocação de sonda no interior do rim por um orifício realizado na região lombar) pode ser indicada na impossibilidade das medidas anteriores. A LECO pode ser aplicada nestes fragmentos ureterais desde que a unidade renal esteja drenada convenientemente.

A formação de hematoma renal é rara, ocorrendo em 0,4% a 1% dos casos. Pode ser mais freqüente do que parece e, geralmente, tem resolução espontânea.

A ruptura renal é rara e necessita observação criteriosa, com repouso e reposição sangüínea, ou embolização por arteriografia seletiva, ou abordagem cirúrgica a céu aberto com sutura renal, ou mais freqüentemente nefrectomia (retirada do rim), dependendo da gravidade da lesão. Outros órgãos podem ser acometidos por hematomas ou rupturas, como, por exemplo, o tecido pulmonar, baço, fígado, intestino, embora muito raras devem ser tratados conforme sua gravidade.

Fique de olho! No próximo post iremos discorrer sobre a Nefrolitotripsia Percutânea, que embora tenha sua indicação mais limitada com o advento de técnicas mais modernas e menos invasivas (como a Ureterorrenolitotripsia Flexível à Laser), ainda tem sua importância no arsenal de tratamentos possíveis para cálculos urinários.

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